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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 27 de abril de 2024


Edes Barbosa    des_b@hotmail.com
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Por Edes Barbosa - 29/9/2016 07:47:58
MEU VELHO CHICO

Conheço o Rio São Francisco desde a minha adolescência; lembro-me quando cheguei pela primeira vez à sua margem direita, exatamente oposta à foz do Rio Pandeiros. Era no final de uma tarde morna sob um deslumbrante pôr-do-sol colorindo o céu e toda a superfície das águas. Eu, meu pai e um irmão, pretendíamos realizar nossa primeira pesca esportiva distante do já cansado pequeno Rio Verde. Seria nossa grande aventura. Ficamos parados e perplexos diante daquele majestoso cenário. O nosso barco de alumínio com motor de popa, antes supostamente grande, tornou-se minúsculo diante daquele doce mar. As lendas de “caboclos d’água” nos afloraram à pele. Sentimos medo de encarar o rio. Decidimos acampar ali mesmo. Enquanto isto, um velho ribeirinho aproximou-se da sua canoa, retirou do bornal uma garrafa de cachaça, encheu uma pequena cuia, esborrifou algumas gotas à direita, depois à esquerda e ingeriu o restante. Tomou o remo e deu início a travessia do rio. Com a proa derivada cerca de trinta graus à esquerda ele atravessou o rio em linha reta chegando exatamente ao ponto oposto à sua partida. Sem nenhum conhecimento de matemática, aquele matuto calculou a força vetorial da correnteza do rio. Logo depois, um jovem magro de pele escura, coletou com as mãos um pouco da água do rio, molhou a testa, bebeu o resto, fez o sinal da cruz, se atirou nas águas e atravessou a correnteza. Ainda sob o lusco fusco vi seu perfil caminhando na praia do outro lado da margem.
Pela manhã recebemos a visita de alguns barranqueiros que se aproximavam timidamente impulsionados pela curiosidade naquele novo acampamento. Depois de uma prosa aparentemente despretensiosa coletamos informações importantes sobre o Velho Chico: suas corredeiras, seus bancos de areia, seus redemoinhos e seus mistérios. Ouvimos estórias de “Mãe D’água”, ataques de sucuris e piranhas. Descobrimos porque eles “ofereciam aos santos” dois minúsculos goles de cachaça. (A expressão “oferecer ao santo” é um hábito dos adeptos da umbanda acreditando agradar aos espíritos supostamente encostados nos cantos das casas ou no mato.) Na crença dos barranqueiros havia dúvida se o nome dado ao rio se referia à São Francisco de Assis ou de Paula. Neste caso, melhor agradar aos dois santos - curioso é que, segundo a história, nenhum dos santos ingeria bebida alcoólica. Entre verdades e mentiras a melhor opção era respeitar o Velho Chico. Contratamos um guia para nos acompanhar na nossa primeira navegação. Ficamos deslumbrados e logo descobrimos todos os seus segredos, suas manhas e suas entranhas. Tornamo-nos amigos quando entendemos o seu jeito de ser; ele nos oferecia suas águas para o banho refrescante, seus peixes que nos alimentavam e os arvoredos à sua margem para o descanso e em troca, ele exige apenas respeito.
Durante décadas convivi com esse imenso rio e no decorrer de todo esse tempo assisti à sua degradação causada pelos homens, ditos civilizados, das grandes cidades. Enquanto via aquele belo cenário se transformando e como cinéfilo apaixonado pela natureza, criei um roteiro para produção do meu primeiro filme de curta metragem que recebeu o título “Apenas o Crepúsculo” inteiramente rodado na superfície das suas águas. Mesmo como simples amador providenciei todos os meios de segurança para o elenco e toda equipe de filmagem. Antes de cada cena e mesmo nos momentos de lazer eram avisados dos riscos que nos rondavam. Adverti a todos que o Velho Chico é como um ente vivo; é como uma serpente ferida pelos homens que se dizem civilizados. Acima de tudo ele é vingativo; ele devora seus inimigos, até mesmo aqueles que se acham poderosos. Felizmente todas as cenas foram realizadas sem o menor incidente, talvez porque, além do respeito ao Chico produzíamos uma denúncia da sua destruição infelizmente não compreendida ou certamente não alcançada pela mídia.
Hoje, assistimos ao vivo e em cores à sua morte tal como alertamos. Às vezes retorno às suas margens, não mais para pescar, pois seus peixes foram extintos pela pesca predatória; não mais para nadar, pois suas águas foram contaminadas pelos dejetos dos grandes centros urbanos; não mais para descansar, pois seus arvoredos foram destruídos. Retorno para relembrar os bons tempos através de um diálogo que nem todos conseguem ouvir. Penso que encarno o personagem Zé Orocó, do romance “Rosinha, Minha Canoa” de José Mauro de Vasconcelos. Parece incrível, mas ouço a voz do Meu Velho Chico surgindo dos burburinhos nas pequenas corredeiras no silêncio da noite. Ele pede socorro e avisa: “Se eu morrer, muitos morrerão comigo”.
Edes. 25/09/2016.


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Por Edes Barbosa - 15/1/2016 10:17:10
Breve história da captação de TV em Montes Claros

A história da captação de TV em Montes Claros teve início na aurora dos anos 60; mais precisamente em 1961 surgiram rumores de que um bancário, transferido para a nossa cidade, havia captado imagens de televisão no planalto do Pentáurea
Esse fanático por imagens de TV contaminou outros curiosos que se deslocavam pela estrada poeirenta até o topo da colina naquela região. Os sinais captados, frágeis e fugidios, eram da TV Itacolomi, canal 04 de Belo Horizonte, filiada da Tupi que misteriosamente chegavam naquele local.
O entusiasmo e a possibilidade de retransmitir este canal de TV para a cidade através de uma repetidora, cresceram entre os telemaníacos. Um grupo de pessoas formado por empresários da cidade, entre eles Herculino Miranda da Radioluz, Valdeir Correa, Edson Santos da Mobiliadora Maresir, Antônio Cassimiro, João Simões e outros, liderados pelo Sr. Toninho Rebelo, decidiu fundar um consórcio destinado a captar recursos para montagem de uma torre para retransmissão dos sinais de televisão. Adquiriram 200 televisores das marcas Advance e General Eletric que foram vendidos para a população. Com o lucro, foi construída uma torre de 40 metros de altura e adquirido um retransmissor a válvula de 75 watts, canal 09, projetado, construído e instalado pelo italiano Sr. Albano Grassi técnico da tele-emissora dos Diários Associados.
Às 16 horas do dia 11 de setembro de 1964 os primeiros sinais da TV Itacolomi foram retransmitidos para a população montesclarense. A qualidade não foi tão boa como se esperava, simplesmente pior do que a captação em Pentáurea, entretanto o otimismo superava a decepção. O famoso “fading”, fuga dos sinais de áudio e vídeo era um tormento para os telemaníacos. O investimento foi considerado um fracasso. Durante quatro anos conviveram com essa precariedade. Em 1968 surgiu a notícia que as antenas da Itacolomi seriam transferidas do edifício Acaiaca em BH para a Serra do Curral. A esperança de melhora foi decepcionante: os sinais desapareceram do Pentáurea; um fenômeno que os técnicos nunca souberam explicar.
O crepúsculo da década 60 se aproximava cercado pelo clamor da população ansiosa para assistir à Copa 70 no México. O mandato do prefeito Toninho Rebello estava no seu penúltimo ano. A prefeitura, patrocinadora dos serviços de captação de TV, precisava encontrar uma solução imediata. O executivo municipal nomeou um grupo de pessoas denominado Comissão Pro TV, a qual foi incumbida de pesquisar e apresentar um novo projeto para captação de TV. Chegaram a conclusão de que deveriam construir um link (três repetidoras na rota BH/MOC). A empresa escolhida se identificava com o nome de STEEL representada pelos ditos japoneses Kunirriro e Cassawara. No início de 1970 teve inicio a construção da nova rota em UHF que partia do Pico do Itambé no município de Serro, passando pelo Serra do Bota em Juramento e finalmente, a terceira torre, no alto do bairro Morrinhos. As novas instalações foram concluídas na véspera da Copa, de forma precária, artesanal e improvisada. Os sinais captados da TV Vila Rica chegaram em UHF na cidade. O retransmissor foi instalado na sacristia da igrejinha do “Morrinhos”. Houve uma correria para comprar conversores, pois ninguém foi avisado da nova modalidade de transmissão.
As imagens, ainda em preto e branco, revelando uma discreta fragilidade, não eram satisfatórias, entretanto, eram melhores que o antigo canal e foram suficientes apenas para o montesclarense assistir à Copa. Tão logo a seleção brasileira se consagrou campeã no México os sinais desapareceram juntamente com os “japoneses”. O ano de 1970 terminou, e com ele, a administração Toninho Rebello.Em 1971 o novo prefeito Pedro Santos assumiu a prefeitura e a árdua missão de solucionar a captação de TV na cidade. Para isso, nomeou seu filho Tone Santos; calmo, criterioso, amigo de todos, procurou se inteirar de todos os eventos anteriores que culminaram em fracassos. Solicitou a mim e ao meu colega Osmar, acompanhar o Kunirriro numa visita às repetidoras do link UHF. O relatório foi desanimador: dificuldades de acesso, energia elétrica precária, equipamentos artesanais (tipo fundo de quintal), torres e antenas enferrujadas, sinais captados com todo tipo de interferências, etc. Enfim, o Pico do Itambé era uma ilha cercada por um oceano de problemas. Mesmo assim, o Sr. Tone se esforçou para reconstruir o link. Depois de seis meses de vãs tentativas, nosso paciente amigo concluiu que era impossível manter essa rota; se convenceu de que deveria construir um novo link. Depois de uma criteriosa pesquisa, escolheu a empresa Lys Electronic do Rio de Janeiro que enviou o técnico boliviano Antônio Sollis Gamarra. Ficou decidida a nova rota que passaria pelo vale entre a Serra do Espinhaço e do Cabral, exatamente paralela a Estrada de Ferro e a BR 135. A prefeitura de Montes Claros adquiriu torres e equipamentos novos. O canal escolhido foi a recém-nascida TV Globo de BH. Teve início a nova tentativa a qual a imprensa local denominou: “3°. Capítulo da Novela TV”. Tinha tudo para dar certo; entretanto o Sr. Sollis cometeu um grave erro ao locar a primeira repetidora onde jamais fecharia o enlace com a segunda torre. Graças a nossa experiência e com base nos erros anteriores, definimos a nova rota partindo da Serra do Espinhaço no município de Gouveia, passando por Buenópolis na Serra do Cabral até Morro da Somai. Assim, com a ajuda dos meus companheiros, consegui, no dia 19 de novembro de 1971, entregar à Montes Claros o primeiro e definitivo canal de TV.
A TV Globo de Belo Horizonte, com imagens consideradas de boa qualidade, passou a fazer parte da vida diária dos montesclarense; mudou hábitos e costumes, acabou com as filas nas bilheterias dos cinemas, passou a ser assunto nas reuniões sociais. A Globo se consagrava pelas produções das novelas; Minha Doce Namorada, Selva de Pedras, O Bem Amado, Gabriela e outras tantas produções memoráveis como; A Grande Família, Jornal Nacional e o Fantástico. O sistema de retransmissão era mantido por grupos geradores de energia elétrica (motor diesel de um cilindro e gerador de 3,5KVA). O combustível para os motores e alimentação para os operários das repetidoras eram muitas vezes, transportados no lombo de animais até o topo das serras. As dificuldades de manutenção eram penosas, pior ainda, quando ocorriam interrupções inesperadas. O período de 1973 a 1976, sob a administração dos prefeitos Moacir Lopes e Ivani Pereira foi o mais difícil para manter a TV no ar. Apesar da precariedade, já naquela época, alguns televisores equipados com antenas de alto ganho conseguiam captar imagem em cores esporadicamente. A população ficava indignada com as interrupções, a imprensa criticava, o programa na única rádio local, “Boca no Trombone” do Luiz Tadeu, como diziam: __ “descia o pau” .
Em 1977, Toninho Rebello, conhecido como um dos pioneiros na luta pela captação de TV em nossa região, ao reassumir o cargo de prefeito agendou com prioridade uma visita às torres repetidoras. Ficou empolgado com a nova localização das repetidoras e providenciou melhorias imediatas do link. Graças a substituição dos equipamentos à válvula em VHF por sistemas transistorizados em UHF, nossa cidade foi a primeira do interior de Minas a receber imagens a cores via quatro repetidoras, definitivamente com boa qualidade. Com toda melhoria era impossível evitar interrupções inesperadas: o grupo gerador de energia parava de repente, um temporal qualquer interrompia as transmissões, as estradas de acesso ao topo das serras eram precárias. A imprensa criticava sem conhecer as dificuldades que os técnicos enfrentavam para manter os sinais no ar.
No início dos anos 80 nascia a primeira geradora de TV, a Intervisão, iniciativa de um grupo de empresários montesclarense liderado pelo jornalista Elias Siuff. A nova estação de TV utilizava a programação da Bandeirantes, não interferindo, portanto, na grande audiência da Globo. Entretanto, com o surgimento dessa empresa, surgia um novo capítulo na história da nossa televisão. Nessa mesma época, os sinais de TV do primeiro satélite brasileiro eram captados pelas primeiras antenas parabólicas utilizadas para uso doméstico. Novos canais via satélite foram implantados pelas prefeituras. As retransmissões via terrestre se tornavam ultrapassadas. Mesmo assim, o link pioneiro permaneceu 18 anos no ar sendo desativado em 1989 pelo prefeito Mário Ribeiro.

Edes Barbosa. Em 12 de janeiro de 2016.




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